SANTOUCHA
A PRÁTICA DO
CONTENTAMENTO
Vivemos uma era marcada pela busca desenfreada pelo
prazer, no entanto, uma contagiante
frustração acaba sendo sempre o resultado desta busca incessante que nos marca
com uma visível expressão de descontentamento. Uma satisfação ilusória e
momentânea é o máximo que um grande contingente de pessoas massificadas pelo
consumismo conseguem atingir. A conquista de um tesouro desperta a ânsia de uma
outra conquista ainda maior. Cada vez menos, as pessoas usufruem os recursos
conquistados, pois o olhar está sempre além daquilo que se tem ou até mesmo
daquilo que se pode ter. Há quem diga que esta postura move e incita o
progresso, sendo portanto necessária à nossa evolução.
Santoucha, a prática do contentamento, vem frear este
movimento desenfreado, pois tudo que não tem freio atinge uma velocidade
perigosa capaz de gerar sérios acidentes. Nos ensina algo mais importante do
que estarmos contentes; nos ensina, sobretudo, a sermos contentes. Há quem tema
a prática do contentamento por atribuir a ela o ônus da acomodação. Uma
sociedade acomodada geraria inércia e conseqüentes prejuízos à nossa evolução.
Assim, Santoucha passa a ser um perigo que necessita ser evitado, pois o que
move uma sociedade capitalista e consumista é a nossa esfomeada insatisfação. Satisfeitos, consumimos menos
fadando o capitalismo ao fracasso.
Parece que perdemos a consciência do que representa a
palavra contentamento. Contentar-se, na ótica do princípio de Santoucha, é
muito mais que estar satisfeito; é, na verdade, viver com satisfação. A incapacidade para satisfazer-se traz
grandes riscos para a vida e para a saúde. Por trás de vários distúrbios,
esconde-se a nossa insatisfação que nos incita aos excessos. A obesidade, o
alcoolismo, a dependência química, o estresse e uma série de outras patologias
revelam claramente o nosso insaciável desejo. Na súplica do “Quero mais” nos
excedemos e perdemos o discernimento, ou seja, a nossa capacidade de perceber a
nossa saciedade e os nossos limites. A
ambição desenfreada que gera tantos desequilíbrios sociais e, consequentemente,
a violência revelam também a
incapacidade do ser humano de viver e aceitar a distribuição equilibrada dos
recursos. Querer toda a posse destes para si mesmo é uma atitude avarenta e
comum em personalidades descontentes e insaciáveis.
Santoucha não pressupõe cruzar os braços adotando uma
falsa satisfação geradora de uma acomodação patológica. Vivendo Santoucha,
experenciamos, profundamente, cada
experiência permitindo-nos sentir, de fato, o sabor delas, bem como a
importância e o significado destas em nossa vida. Antes de saborear, degustar,
mastigar, engolir e digerir valiosos
alimentos que a vida nos oferece, nos viciamos em cuspi-los
na ânsia de provar o próximo.
Provamos muita coisa e aprovamos muito pouco grande parte delas em
função de nossa insatisfação de da ilusão que nos é vendida de que existe um
outro produto que nos trará a verdadeira
satisfação. E, não existe verdadeira satisfação; existe a pura e simples
satisfação. Adotamos uma atitude descartável para com as coisas e com as
pessoas. Para os descontentes, tudo perde o valor assim que é conquistado.
Quando finalmente conseguem o objeto, a pessoa ou a posição tão sonhada, antes
mesmo de vivenciá-la já desejam e fantasiam uma outra conquista. Perdas,
conflitos, dívidas, doenças, separações, crimes, enfim, uma série de atrocidades são cometidas
em razão deste descontentamento patológico.
O grande problema não é o “querer mais”, mas,
sobretudo a incapacidade de valorizar o que se tem. A valorização gera a
satisfação. Precisamos ter para com tudo que nos cerca a mesma relação que
temos para com uma obra de arte – quanto mais antiga, mais valiosa. Ser antigo,
neste contexto, não pressupõe ser velho, acabado, mas, ter uma história
valiosa. Na ótica capitalista, tudo que
envelhece perde o valor. Perdendo o valor, desvalorizamos, criamos um
descontentamento interno e miramos o nosso olhar em algo externo a nós mesmos que possa nos vender a ilusória
sensação de felicidade.
Santoucha não proíbe o desejo e o ter. É uma prática
que nos leva um pouco além. É ter o que se deseja e desejar o que se tem. Na
maioria das vezes, desejamos mais o que não temos do que aquilo que temos. Se
perdemos o desejo por aquilo que temos, corremos o risco de perdermos as coisas
mais valiosas de nossa vida. Santoucha não proíbe a busca e o encanto do
encontro com aquilo que tanto lutamos por conquistar; nos ensina, sobretudo, a
habilidade de fazer o encanto perdurar. Santoucha não proíbe a prosperidade;
nos ensina a ultrapassar as nossas misérias. Santoucha não proíbe o prazer; é
uma vacina contra o desprazer. Santoucha não nega a frustração, transforma-a.
Enfim, Santoucha tira de nossa face a pesada e fechada expressão de
insatisfação, substituindo-a por um sorriso constante e um intenso brilho no
nosso olhar.
Pertinente, interessante e inspirador!
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